quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Laudo da PF engavetado no governo FHC ligava Youssef à caixa de campanha de Serra e do próprio FHC

“Documentos começam a esclarecer por que o laudo de exame financeiro nº 675/2002, elaborado pelos peritos criminais da PF Renato Rodrigues Barbosa, Eurico Montenegro e Emanuel Coelho, ficou engavetado nos últimos seis meses do governo FHC, quando a instituição era comandada por Agílio Monteiro e Itanor Carneiro.

Fabiano Portilho
 

De uma reportagem de Amaury Ribeiro Jr, autor de A Privataria Tucana, em 2003:

Nas 1.057 páginas que detalham todas as remessas feitas pelo doleiro por intermédio da agência do banco Banestado em Nova York está documentado o caminho que o caixa de campanha de FHC e do então candidato José Serra, Ricardo Sérgio Oliveira, usou para enviar US$ 56 milhões ao Exterior entre 1996 e 1997. O laudo dos peritos mostra que, nas suas operações, o tesoureiro utilizava o doleiro Alberto Youssef, também contratado por Fernandinho Beira-Mar para remeter dinheiro sujo do narcotráfico para o Exterior.
Os peritos descobriram que todo o dinheiro enviado por Ricardo Sérgio ia parar na camuflada conta número 310035, no banco Chase Manhattan também em Nova York (hoje JP Morgan Chase), batizada com o intrigante nome “Tucano”. De acordo com documentos obtidos por ISTOÉ, em apenas dois dias – 15 e 16 de outubro de 1996 – a Tucano recebeu US$ 1,5 milhão. A papelada reunida pelos peritos indica que o nome dado à conta não é uma casualidade.
Os dois responsáveis pela administração da dinheirama, segundo a perícia, são figurinhas carimbadas nos principais escândalos envolvendo o processo de privatização das teles e auxiliares diretos de Ricardo Sérgio: João Bosco Madeiro da Costa, ex-diretor da Previ (o fundo de pensão do Banco do Brasil) e ex-assessor do caixa tucano na diretoria internacional do BB, e o advogado americano David Spencer.
A perícia revela ainda que Spencer é procurador de Ricardo Sérgio em vários paraísos fiscais. Ao perseguir a trilha do dinheiro, os peritos descobriram que os milhões de Ricardo Sérgio deixavam o País por intermédio de uma rede de laranjas paraguaios e uruguaios contratados por Youssef e eram depositados na conta 1461-9, na agência do Banestado em Nova York antes de pousar na emplumada Tucano, que contava com uma proteção especial para dificultar sua localização.
Ela estava registrada dentro de outra conta no Chase em nome da empresa Beacon Hill Service Corporation. De lá, o dinheiro era distribuído para contas de Ricardo Sérgio e de João Bosco em paraísos fiscais no Caribe.”
Fonte: http://www.jornali9.com/noticias/denuncia/laudo-da-pf-engavetado-no-governo-fhc-ligava-youssef-a-serra-e-o-proprio-fhc

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Janot confirma: houve golpe eleitoral contra Dilma

Por , postado em novembro 17th, 2014 

rodrigo-janot-20130410-04-size-598


Em entrevista à Folha, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, fez uma declaração bombástica:
“Estava visível que queriam interferir no processo eleitoral. O advogado do Alberto Youssef operava para o PSDB do Paraná, foi indicado pelo [governador] Beto Richa para a coisa de saneamento [Conselho de administração da Sanepar], tinha vinculação com partido. O advogado começou a vazar coisa seletivamente. Eu alertei que isso deveria parar, porque a cláusula contratual diz que nem o Youssef nem o advogado podem falar. Se isso seguisse, eu não teria compromisso de homologar a delação.”
Se a acusação atingisse o PT, a mídia a teria transformado, imediatamente, em manchetão nas capas de todos os jornais, portais e revistas.
Como é contra o PSDB, então a informação é minimizada, como sem importância.
Janot repetiu a denúncia de golpe político-midiático, que a gente, da blogosfera, se cansou de fazer durante os primeiros vazamentos seletivos dos depoimentos de Alberto Youssef.
Denúncia esta que a imprensa jamais fez, embora estivesse ali, à vista de todos.
Por quê?
Por que a imprensa não identificou o óbvio, que havia vazamentos seletivos, com objetivo de interferir na campanha eleitoral e prejudicar Dilma Rousseff?
Ora, porque a imprensa fez parte do esquema.
Essa é a conclusão lógica inevitável das palavras de Rodrigo Janot, procurador-geral da República, o cargo máximo do Ministério Público Federal.
No dia do penúltimo debate da eleição presidencial, que ocorreria na Record, um dos principais repórteres políticos da Globo, Gerson Camarotti, chegou a publicar, em seu blog, que Aécio e Alvaro Dias tinham recebido um “detalhamento completo” dos depoimentos de Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, que “envolveria nomes graúdos do PT”.
Ficou evidente (hoje confirmado, visto que Aécio não usou a suposta “bomba” no segundo turno) que se tratava de blefe tucano e jogo sujo da Globo, para intimidar Dilma no debate.
Aécio tinha apanhado que nem gente grande no debate anterior e estava com medo.
A Globo, portanto, foi cúmplice do golpe eleitoral preparado pela oposição, em conluio com o advogado de Alberto Youssef.
Só que agora as coisas mudaram de figura.
A operação Lava Jato tomou proporções que fogem ao controle da mídia e da “República do Paraná”, ou seja, ao grupo de delegados e procuradores que tentaram usar a investigação para influenciar as eleições.
Envolvendo todos os partidos, e detectando desvios desde 1999, a Lava Jato fortalece a líder política número 1 do país, a presidenta da república.
Não adianta a oposição espernear, como fez Noblat hoje, dizendo que a Polícia Federal é “órgão de Estado”, que Dilma não autorizou nada, blablablá.
A Polícia Federal é um órgão subordinado ao Ministério da Justiça, e a presidente da República escolhe o seu diretor-geral.
Esta relação está bem clara no Decreto 73.332, de 1973, que define a estrutura da instituição.
Entretanto, não é preciso ser especialista em leis ou decretos para fazer uma comparação simples: a PF não investigava ninguém na era tucana.
Hoje investiga e prende poderosos, de políticos graúdos a empreiteiros bilionários.
Aliás, alguém deveria perguntar se as polícias estaduais, que também são “órgãos de Estado”, investigam os seus respetivos Executivos.
Em São Paulo, alguém pode imaginar a polícia estadual ou a polícia civil investigando o trensalão ou as obras do Rodoanel? Todas elas envolvem, aliás, as mesmas empreiteiras da Operação Lava Jato.
A oposição e a mídia queriam transformar a Lava Jato num golpe político.
Tinha tudo para dar certo. Os delegados federais responsáveis pela operação são tucanos. Foram inclusive flagrados fazendo festinha pró-Aécio no Facebook, usando informações sigilosas.
O juiz Sergio Moro é tucano, como ficou claro com sua leniência em relação aos vazamentos feitos bem durante a campanha eleitoral, inclusive o último, o que sequer existiu, de Alberto Youssef, tentando atingir Dilma.
Os procuradores também devem ser, visto que defenderam os delegados, quando estes foram denunciados na imprensa por seu partidarismo pouco republicano, para dizer o mínimo.
A “República do Paraná” (entendida aqui como juiz, promotores e delegados por trás das investigações feitas pela Operação Lava Jato), enfim, é um núcleo tucano.
Some-isso a uma mídia ultratucana, e tínhamos todos os elementos para criar uma narrativa e aplicar um golpe político-midiático, que culminaria com o impeachment da presidenta.
Mas eles não pensaram uma coisa.
A Lava Jato de repente assumiu uma dimensão tal que saiu da esfera apenas política. Ou seja, deixou de ser regida pelo jogo baixo e apaixonado das guerras partidárias, e passou para o domínio inexpugnável da história.
Ao tratar com os setores economica e politicamente mais poderosos da sociedade, a Lava Jato não poderá abrir “exceções” jurídicas como fez no mensalão.
O fato dos investidores e o próprio juiz serem tucanos se volta em favor de Dilma, porque esta seria acusada de “bolivariana”, se fosse o contrário, se a mídia identificasse afinidade ideológica, política ou partidária entre ela e a República do Paraná. Além de ser acusada de “traidora” pelos caciques partidários envolvidos no esquema.
O enfraquecimento dos caciques pesará em favor do Executivo.
A direita não tem mais um Joaquim Barbosa no STF para fazer o serviço sujo.
Em mãos de Teori Zavascki, a Lava Jato não corre o risco de virar um circo golpista.
Outro fator que enfraquece a tentativa de golpe é que o procurador geral, Rodrigo Janot, embora frequentemente também faça o jogo da mídia, é infinitamente mais qualificado, em termos éticos, do que seus antecessores.
A entrevista que deu à Folha, em que denuncia o golpe do advogado de Youssef, é evidência de que ele não se prestará, não facilmente ao menos, a um jogo sujo visto no mensalão, em que procurador, mídia e oposição manipularam provas, ocultaram documentos, e fizeram de tudo para confundir a opinião pública e enganar os réus.
A mídia tentará aumentar ao máximo a presença do PT junto às listas dos corrompidos e corruptores, mas ao fazê-lo, ampliará a imagem de republicana de Dilma Rousseff.
Afinal, que outra estadista, senão Dilma, permitiria que a Polícia Federal, subordinada a seu governo, investigasse e punisse impiedosamente membros de seu próprio partido?
Restará à mídia, desta vez, o papel triste de tentar confundir e manipular a opinião pública, e fazendo o jogo mais baixo.
Quando houver denúncia de envolvimento de um petista: manchetão na capa e páginas e páginas no miolo do jornal.
Quando houver envolvimento de um tucano: sem capa, e notinha curta ao pé de página.
Só que, desta vez, a gente tem as redes sociais.
Alguns internautas temem que haja alguma falsa denúncia sobre caixa 2 na campanha presidencial de Dilma, o que justificaria a sua deposição.
Improvável.
As campanhas presidenciais no Brasil costumam ser impecáveis. O caixa 2 é jogado sempre para as campanhas regionais e proporcionais.
As campanhas presidenciais de PT e PSDB costumam ter dinheiro de sobra. Isso desde 2002.
O mensalão, por exemplo, que foi um problema de caixa 2, admitido pelo próprio Lula e por Delúbio Soares, ocorreu justamente por conta disso: a campanha presidencial chupou todo o dinheiro limpo, e o caixa 2 foi lançado nas costas dos diretórios regionais, que precisavam pagar dívidas de campanha.
Claro, espera-se todo o tipo de mentira, calúnia e manipulação, nos próximos meses. Desta vez, porém, temos uma opinião pública um pouco mais crítica e desconfiada.
E a mídia não tem mais o monopólio da narrativa.
*
O fato da análise das contas da campanha de Dilma terem caído em mãos de Gilmar Mendes, não deveria ser motivo de preocupação excessiva.
Um pouco sim, mas não muito.
Justamente por ser identificado como juiz de oposição, Mendes será obrigado a aprovar as contas da presidenta.
Só lhe restará o patético papel de fazer suspense, pedir explicações, inventar factoides variados.
Mas não poderá desaprovar as contas de Dilma, porque soaria golpista demais isso partir de um juiz tão abertamente de oposição.
De qualquer forma, o próprio Ministério Público Eleitoral entrou com recurso para que a relatoria das contas da campanha de Dilma não fique em mãos de Gilmar.
*
O maior desafio de Dilma, e isso não é pouca coisa, é evitar que a Lava Jato, por envolver as maiores empreiteiras do país, provoque interrupção das grandes obras de infra-estrutura.
A nossa mídia, já vimos, não tem qualquer compromisso com o desenvolvimento. Sergio Moro ganhou pontos ao mostrar que, ao menos nisso, demonstra bom senso, visto que se preocupou em não paralisar o trabalho das empresas.
As empreiteiras empregam centenas de milhares de trabalhadores, e as denúncias terão que apurar responsabilidades e impor multas, mas cuidando para não prejudicar o emprego de quem não tem culpa nenhuma pelos desvios. Nem parar obras que são estratégicas e urgentes, como a finalização da refinaria Abreu Lima, cuja entrada em operação servirá como alavanca para a indústria petroquímica, e ajudará a reduzir o déficit da balança comercial brasileira.
- See more at: http://www.ocafezinho.com/2014/11/17/janot-confirma-houve-golpe-eleitoral-contra-dilma/#sthash.ZrM1CiDS.dpuf

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

FILHA DE MARIO LAGO SE REVOLTA COM PRÊMIO DADO A WILLIAM BONNER

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

CUBA E EUA: O SIGNIFICADO POLÍTICO DE UM DIA HISTÓRICO

O dia 17 de dezembro de 2014 é um novo marco nas relações internacionais nas Américas 
Às 15h de Brasília, os governos de Cuba e dos Estados Unidos anunciaram, simultaneamente, um acordo que restabelece as relações diplomáticas entre os dois países. Como consequências imediatas, há uma troca de prisioneiros – na qual são libertados os três antiterroristas cubanos presos há 16 anos nos Estados Unidos – e a possibilidade do fim do bloqueio econômico contra Cuba. Mas o que isso representa de fato?
cuba-e-eua
A inflexão é grande, isso está claro, mas o quão profunda poderá ser só saberemos de fato nos próximos anos. Há aí uma grande conquista de Cuba – de seu governo e de seu povo – e uma grande vitória da solidariedade internacional. Ao menos politicamente, o significado simbólico do acordo é um avanço no respeito à soberania cubana, e isso é fundamental. Independente de se concordar ou não com as linhas políticas, sociais e econômicas da Revolução Cubana e os rumos que esse processo tomou e vem tomando, o respeito à soberania e à autonomia dos povos é princípio básico para relações internacionais minimamente saudáveis. Se esse respeito irá consolidar-se, é outra história.
Ações contrarrevolucionárias
Desde a chegada ao poder dos revolucionários cubanos, foram inúmeros os ataques terroristas contra Cuba. A maioria deles partiu dos Estados Unidos, ou apoiados pelo governo estadunidense ou ao menos encobertos por ele – o que dá quase no mesmo. O mais famoso desses ataques foi uma agressão direta do governo estadunidense, através da CIA e de mercenários, na tentativa de invasão de Cuba por Playa Girón, frustrada pela reação do povo cubano organizado e armado. Entre os ataques mais violentos porém menos perceptíveis de forma imediata, está o bloqueio comercial estabelecido pelos Estados Unidos contra a ilha vizinha desde 1960.
Esse bloqueio, constantemente atualizado por novas leis estadunidenses, impede não apenas que empresas sediadas nos Estados Unidos comercializem com Cuba, mas também procura evitar ao máximo que empresas estrangeiras mantenham qualquer tipo de relação com a ilha ou com os produtos ali produzidos. Dificulta inclusive a entrada de alimentos, remédios e equipamentos necessários à infraestrutura básica do país e da população. A Assembleia Geral da ONU já solicitou mais de 20 vezes o fim do bloqueio, que agora parece mais próximo do que nunca: em seu discurso neste histórico dia 17, o presidente dos EUA Barack Obama prometeu estimular um “debate sério” no Congresso sobre o fim do bloqueio. Algumas ações já começam a reduzir as cercas do bloqueio: dentre as medidas anunciadas por Obama, estão a facilitação de viagens de estadunidenses a Cuba, a autorização de vendas e exportações de bens e serviços dos EUA para Cuba, a autorização para estadunidenses importarem bens de até US$ 400 de Cuba, e o início de novos esforços para melhorar o acesso de Cuba a telecomunicação e internet.
Como dito no início deste texto, a base do avanço contra o bloqueio é o restabelecimento das relações diplomáticas, rompidas desde 1961. Serão abertas embaixadas nos dois países, e, assim, amplia-se a possibilidade de diálogo. Foi nesse sentido a fala do presidente cubano Raúl Castro: “Devemos aprender a arte de conviver de forma civilizada com nossas diferenças”, disse, e reafirmou a necessidade do fim do bloqueio.
raul
Los Cinco Volveran
O primeiro resultado prático e visível da mudança nas relações entre os dois países é o atendimento de uma demanda do povo cubano que já durava 16 anos: a libertação dos três antiterroristas presos nos Estados Unidos. São os remanescentes dos “Cinco Heróis”, cinco agentes cubanos que se infiltraram em organizações terroristas sediadas em Miami para tentar impedir novos ataques contra Cuba. Acabaram presos, julgados em uma situação completamente desfavorável, e condenados por espionagem – de forma absolutamente injusta e influenciada pelo clamor da população de origem cubana de Miami, vinculada à contrarrevolução.
Depois de forte mobilização internacional em defesa da libertação dos Cinco – o que só poderia ocorrer com uma decisão de Obama – a troca por Alan Gross (estadunidense preso em Cuba) levou à soltura dos três que continuavam presos – Gerardo Hernández Nordelo (condenado a duas prisões perpétuas e 15 anos), Ramón Labañino Salazar (uma prisão perpétua e 18 anos) e Antônio Guerrero Rodríguez (uma prisão perpétua e 10 anos). Essa é uma grande vitória da diplomacia cubana e, sobretudo, da solidariedade internacional. A confiança e a previsão de Fidel Castro se confirmaram. Em discurso no ano 2001, o ex-presidente cubano garantiu: “La inocencia de esos patriotas es total. Solo les digo una cosa: volverán”.
Fim do bloqueio é a nova estratégia
O afrouxamento do bloqueio e as sinalizações sobre o seu fim, combinados à libertação de Gerardo, Ramón e Antônio, são vitórias de Cuba, vitórias da soberania do povo cubano, vitórias do empenho e da retidão do governo cubano e da solidariedade internacional. Ao mesmo tempo, não há que se pensar que o governo de Barack Obama transmutou-se em um governo respeitoso aos direitos humanos e aos direitos das nações, tampouco que os Estados Unidos, enquanto Estado e enquanto sociedade, dá uma guinada rumo ao respeito à soberania alheia. É preciso atenção aos próximos movimentos e às razões da mudança na forma de se relacionar com Cuba. Em seu discurso, Obama deixou claro que segue descontente com os últimos 55 anos da Cuba, mas que os Estados Unidos devem mudar de estratégia se querem o fim da Revolução. O bloqueio foi uma estratégia que durou 43 anos e não funcionou; seu encerramento é justamente a nova estratégia.
obama
A tendência é que, conforme o bloqueio vá caindo, o capitalismo seja despejado em uma Cuba com cada vez mais dificuldades para manter-se em confronto com ele. O processo de abertura ao capital, chamado de forma otimista e/ou eufemística de “atualização econômica” já vem acontecendo em Cuba desde que o país se viu em profundas dificuldades econômicas após o fim da União Soviética. Com a falta de um parceiro comercial e político de quem, é verdade, tinha se tornado bastante dependente, Cuba teve que recuar na construção do socialismo, e começou, principalmente a partir da segunda metade da década de 1990, a abrir espaços para a entrada do capital internacional e para o nascimento de um novo capital nacional privado. Ao mesmo tempo, o turismo começou a crescer, tornando-se a principal fonte de renda de boa parte dos cubanos e do próprio Estado. Tanto o turismo quanto a abertura à iniciativa privada trouxeram problemas: uma pequena desigualdade aflorou, por um lado, e, por outro, o deslumbramento da experiência de troca com os privilegiados que podiam viajar a Cuba levava (e ainda leva) a uma visão distorcida sobre a realidade dos países capitalistas.
Socialismo ou a morte da Revolução
Em Cuba, há pouco – por causa do bloqueio, dos equívocos econômicos, e da própria história de exploração do país pela Europa e pelos Estados Unidos –, mas não há fome, não há miséria, todos têm acesso à Saúde e Educação de qualidade. Porém, com as novelas brasileiras mostrando o Leblon nas televisões cubanas, com os turistas endinheirados mostrando os poucos vencedores de países com muitos derrotados, e com a ascensão econômica de alguns cubanos através da iniciativa privada, cria-se uma confusão de compreensão sobre a realidade de Cuba em relação aos outros países, mesmo que os cubanos estejam em níveis de politização bastante superior aos brasileiros, por exemplo. É nesse processo, de despejo de capital e de turistas endinheirados sobre Cuba, que o governo estadunidense parece apostar agora para criar novas dificuldades. Pode cair o estrangulamento econômico, mas a tendência é que seja substituído por um ataque direto à consciência socialista do povo cubano. A Revolução está preparada para isso? Talvez. O certo é que há erros que podem custar caro nesse processo. Embora seja um equívoco – quando não desonestidade – afirmar que em Cuba há uma ditadura – há eleições desde a base, organizações fortes e representativas, participação política constante –, de fato alguns erros históricos ainda enfraquecem a possibilidade de usufruto pleno do direito à política – é o caso da ausência de uma mídia descentralizada e comunitária, por exemplo. Mesmo assim, as organizações cubanas são vigorosas e, especialmente a partir dos Centros de Defesa da Revolução (CDRs), politizam ao mesmo tempo em que constroem o país através das mãos da maioria.
Em uma perspectiva histórica, 50 anos é pouco tempo. A Revolução Cubana nasceu antes, no ataque liderado por Fidel Castro ao Quartel Moncada, mas ainda assim engatinha. Embora em 1959 o povo cubano tenha conquistado o Estado e, em seguida, se apoderado de seu próprio destino e passado a controlar a economia do país, circunstâncias internas e externas levaram a retrocessos, especialmente na área econômica. Com a dinâmica histórica internacional, foi prejudicado pelas readequações e consequentes vitórias do capitalismo e, assim, das ralas elites mundiais. Depois de avanços rápidos seguidos de retrocessos, Cuba se vê hoje em fortes contradições econômicas. O socialismo derrapa e procura manter-se em pé. A possibilidade de fim do bloqueio econômico abre a possibilidade de remobilização econômica, que pode servir tanto ao avanço do capitalismo sobre Cuba quanto à retomada do fortalecimento da economia socialista, especialmente através de parceiros políticos e econômicos contumazes que terão maior facilidade em negociar com a ilha. Pode, assim, nascer um novo estímulo a uma economia soberana, popular e pujante. Com a retomada das relações com os Estados Unidos e o que isso sinaliza, não há mais como ficar parado: é avançar a passos rápidos para a retomada e refortalecimento do projeto socialista, com aprofundamento da democracia socialista e recuperação do poder econômico não-privado; ou ser invadido pelos tentáculos ideológicos e pelo canto da sereia do capitalismo.
Alexandre Haubrich

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Mídia: a BBC Brasil mostra como funcionam as regras na Inglaterra, Argentina, EUA e Venezuela

Como funciona a regulação de mídia em outros países?

Luiza Bandeira, Alessandra Corrêa, Marcia Carmo e Claudia Jardim
De Londres, Winston-Salem (EUA), Buenos Aires e Caracas para a BBC Brasil
  • 1 dezembro 2014
Compartilhar
Credito: Getty
Regulamentação da mídia ganha roupagens diferentes em distintos países do mundo
O PT aprovou, neste final de semana, uma resolução política que pede a criação de um novo marco regulatório para a mídia. O presidente do partido, Rui Falcão, afirmou que a presidente Dilma Rousseff se comprometeu a fazer uma consulta pública sobre a questão no segundo semestre.
Tema polêmico no Brasil, a regulação da mídia ocorre de formas distintas pelo mundo.
Nos Estados Unidos e na Argentina, as normas regulam principalmente temas econômicos – é este tipo de regulação que a presidente Dilma diz querer discutir no próximo mandato.
No Reino Unido, um escândalo de escutas ilegais realizadas por tabloides levou ao estabelecimento de regras polêmicas para jornais, revistas e sites.
Na Venezuela, opositores apontam para restrições à liberdade de expressão, mas movimentos sociais dizem que a lei aumentou o número de meios de comunicação comunitários.
A BBC Brasil mostra como funcionam as regras nestes quatro países.

EUA: Foco é regulação econômica

Os Estados Unidos não têm uma Lei de Imprensa, e a regulamentação da mídia no país é feita por diferentes legislações.
No caso das telecomunicações (rádio, TV aberta e a cabo, internet e telefonia móvel e fixa), a regulação está a cargo da Federal Communications Commission (Comissão Federal de Comunicações, ou FCC, na sigla em inglês), agência independente do governo criada em 1934.
A FCC se dedica principalmente a regular o mercado, com foco nas questões econômicas. O órgão é responsável por outorgar concessões.
A propriedade cruzada de meios de comunicação é proibida. Assim, uma mesma empresa não pode ser proprietária de um jornal e de uma estação de TV ou de rádio na mesma cidade.
Há também regras que impõem certos limites sobre o número de estações de TV e rádio que uma mesma empresa pode controlar em determinado mercado. Esses limites variam de acordo com o tamanho do mercado e têm o objetivo de impedir que um mesmo grupo controle totalmente a audiência em determinado local.
No caso do conteúdo, há no país o entendimento de que este deve ser regulado pelo próprio mercado e pela opinião pública.
No entanto, a FCC age em casos de abuso, quando há a percepção de descumprimento de regras, como a que proíbe a exibição de cenas "indecentes" na TV.
Um dos casos notórios ocorreu em 2004, na exibição do Super Bowl – a final da temporada de futebol americano –, evento que costuma ter a maior audiência televisiva do país.
No show do intervalo, transmitido pela rede CBS, o cantor Justin Timberlake puxou a blusa de Janet Jackson, deixando aparecer seu seio.
Apesar de a imagem ter sido mostrada por menos de um segundo, a FCC multou a CBS em US$ 550 mil – decisão que depois foi revertida.
Outra regra determina que canais de TV dediquem pelo menos três horas semanais a programas infantis educativos.
A atuação da FCC é acompanhada pelo Congresso americano, a quem a agência presta contas periodicamente. Além disso, o Judiciário também pode intervir.
No caso de mídia impressa, a ideia é que mercado e opinião pública se encarreguem da regulação. Casos de difamação, calúnia e outros tipos de injúria costumam gerar processos na Justiça e resultar na aplicação de multas pesadas.

Venezuela: Debate acalorado sobre liberdade de imprensa

Protestos, golpe de Estado e polarização política. Esse é o contexto que antecede a aprovação da lei de meios de comunicação na Venezuela.
A lei Resorte - Responsabilidade Social em Rádio e Televisão - entrou em vigor em 2005, três anos após o chamado "golpe midiático" contra o então presidente Hugo Chávez. A mídia apoiou abertamente o golpe contra Chávez três anos antes e não noticiou as manifestações populares que se seguiram, pedindo a sua volta ao poder.
Suspensão do sinal aberto da RCTV provou protestos na Venezuela
A atuação dos meios de comunicação privados nesse episódio teria sido utilizada como motor para uma contraofensiva do Executivo para regular a atuação da imprensa venezuelana.
Um dos pontos mais polêmicos da aplicação da lei ocorreu em 2007, quando a concessão do canal RCTV – o mais assumido canal de oposição – para operar no sinal aberto não foi renovada. Críticos acusaram o governo de retaliação política.
De acordo com a lei, cabe ao Estado decidir se renova ou não a concessão de frequências de rádio e televisão. O tempo máximo de cada período caiu de 25 para 15 anos, prorrogáveis ou não. A hereditariedade no setor está proibida.
Outro aspecto controvertido é o que proíbe a transmissão de eventos ao vivo que possam "incitar a violência" e a "desordem pública". O principal fator de polêmica se deve a que a decisão sobre esses riscos seja feita por uma comissão do governo sem participação de representantes da mídia.
"Analisar o que pode ou não incitar a violência é muito difícil em um país onde há uma confrontação entre dois modelos políticos e onde os meios estavam organizados em dois grupos, pró e antigoverno", afirmou à BBC Brasil Mariclein Stelling, do Observatório Global de Meios de Comunicação.
"Mas enquanto os meios forem utilizados com fins políticos, a lei será necessária", opinou.
Em 2010, a lei foi reformada e seu alcance passou a abranger também a internet. Um dos pontos polêmicos é a punição prevista para o provedor de internet ou página que não restrinja "sem demora" o acesso a mensagens que incitem o ódio.
"É uma lei regressiva e contraria o direito à liberdade de expressão", avalia Marianela Balbi, diretora do IPYS (Instituto Prensa y Sociedad). Na sua opinião, a lei é desnecessária. "Há crimes tipificados no Código Penal e em outros regulamentos que podem ser aplicados sem restringir a liberdade de expressão."
A norma, no entanto, é aplaudida por movimentos sociais como um passo importante para a democratização dos meios de comunicação e como uma via que permitiu a expansão de meios comunitários.
Estão em atividade 37 TVs e 244 rádios comunitárias no país. A maioria recebeu equipamentos e formação técnica do próprio governo para começar a operar.
A violação da lei Resorte determina sanções como a suspensão do sinal por 72 horas ou a revogação da concessão no caso de reincidentes. A lei ainda estabelece que 50% da programação deve ser reservada a produções nacionais.

Reino Unido: Regras duras após abusos de tabloides

Classificada pela presidente Dilma Rousseff como uma das "mais duras" do mundo, a legislação do Reino Unido para regulação da mídia surgiu na esteira do escândalo de escutas ilegais feitas por tabloides britânicos.
A lei visa à regulação da atividade de jornais e revistas. Além dela, há outra regulação, mais antiga, para emissoras de TV e rádio.
Em 2011, uma comissão judicial, coordenada pelo juiz Brian Leveson, passou a analisar desvios de ética na mídia após um escândalo envolvendo principalmente tabloides. Em um dos casos, um jornal hackeou o telefone de uma estudante assassinada e apagou mensagens da caixa eletrônica, o que deu à família e à polícia a esperança de que ela pudesse estar viva.
Investiações no Reino Unido levaram a protestos contra grupo do empresário Rupert Murdoch
O relatório final do chamado inquérito Leveson afirmou que a imprensa "causou dificuldades reais e, algumas vezes, estragos na vida de pessoas inocentes, cujos direitos e liberdades foram desprezados".
Um dos desdobramentos da investigação foi a criação, em novembro deste ano, do Press Recognition Panel, painel que supervisiona um órgão de autorregulação e tem poder de aplicar multas de até um milhão de libras (R$ 4 milhões) às publicações, além de impor direito de resposta e correções a jornais, revistas e site noticiosos.
A filiação dos veículos ao novo sistema não é obrigatória, mas há diversos "incentivos" para que façam parte: por exemplo, o veículo que não integrar o órgão precisa pagar as custas judiciais dos processos de acusação, mesmo se sair vencedor.
À época da criação do órgão, os principais jornais britânicos disseram que o modelo poderia sujeitar os veículos à interferência indevida de políticos.
Até o momento, apenas o Daily Telegraph aderiu ao novo sistema. A expectativa é que o Financial Times não se envolva, mas os outros dois grandes jornais,Independent e Guardian, deixaram a possibilidade de adesão em aberto. O órgão deve entrar em funcionanmento pleno no ano que vem.
Emissoras de rádio e TV, por sua vez, são reguladas por outro órgão, o Ofcom. O órgão também é responsável pela telefonia, serviços postais e internet.
Entre as atribuições do Ofcom estão garantir a pluralidade da programação de TVs e rádios, garantir que o público não seja exposto a material ofensivo, que as pessoas sejam protegidas de tratamento injusto nos programas, e que tenham sua privacidade invadida.

Argentina: Lei gera atritos entre governo e mídia

Na Argentina, a chamada Ley de Medios foi aprovada em outubro de 2009, durante o primeiro governo da presidente Cristina Kirchner. Mas ainda hoje sua aplicação ainda gera polêmicas.
A lei define regras para emissoras de TV e rádio. O objetivo é a "regulação dos serviços de comunicação" e o desenvolvimento de mecanismos destinados à "promoção, desconcentração e fomento da concorrência com o fim de baratear, democratizar e universalizar" a comunicação.
Credito: Reuters
Manifestantes protestaram contra o 'Clarín' na Argentina
A lei fixa o limite de licenças e área de atuação do setor por cada pessoa que assuma um investimento. Os prestadores de serviço de TV por assinatura não poderão ser titulares de um serviço de TV em uma mesma região. A lei também estabelece limites de alcance de audiência para TV a cabo e emissoras privadas. Já a TV pública tem alcance nacional.
A legislação define também que os canais abertos de televisão deverão "emitir no mínimo 60% de produção nacional", "30% de produção própria que inclua noticiários locais" e, no caso das TVs nas cidades com mais de um 1,5 milhão de habitantes, "pelo menos 30% de produção local independente".
A lei surgiu em meio à disputa entre o governo e os meios de comunicação críticos do "kirchnerismo" - a dinastia política que governa o país desde Nestor Kirchner, antecessor e marido da atual presidente, que governou entre 2003 e 2007 e morreu em 2010.
Ao defender a criação da lei, a presidente e outras autoridades do governo argumentaram que a comunicação é "um direito humano" e que é necessário defender "o fim dos monopólios" e a "pluralidade de vozes". Em meio à discussão, o ex-presidente Kirchner ergueu cartazes em atos públicos contra o maior grupo de mídia da Argentina, o grupo Clarín. Nos cartazes, a frase "o Clarín mente".
Os dois artigos da Lei de Meios que mais geraram polêmicas se referem à "pluralidade de licenças" e a restrição das "propriedades paralelas dos grupos de imprensa no país".
Para opositores e para as empresas de mídia, as medidas atentam contra "o direito adquirido", a "propriedade privada" e a "liberdade de expressão". Porém em outubro do ano passado, após uma série de disputas judiciais, a Suprema Corte de Justiça entendeu que as normas são constitucionais.
Segundo opositores, o Clarín foi o mais afetado pela medida, já que deveria abriar mão de mais da metade das suas cerca de 200 concessões de TV a cabo e aberto em diversas regiões do país. Outros grupos de mídia também teriam de fazer o mesmo.
Em diferentes ocasiões, representantes do Grupo Clarín sugeriram, porém, que a lei os afetava por questões políticas e acabaria "beneficiando grupos estrangeiros", incluindo telefônicas com licenças de TVs no país.
Após a manutenção da legislação pela Justiça argentina, o Grupo Clarín entregou um "plano de adequação voluntária" à lei, mas o caso ainda está nos tribunais.