Ontem, no caminho para o trabalho, como de costume, eu ouvia uma rádio aqui de Uruguaiana. O radialista falava sobre a questão da posse territorial de uma das ilhas que existem no Rio Uruguai, se ela era da Argentina ou do Brasil. De repente, ele lembra de uma história sobre uma das ilhas e relata, diga-se, com muito orgulho, uma história que aconteceu há uns anos e envolvia uma das ilhas.
Dizia ele que, nos anos 60, um produtor rural, aqui de Uruguaiana, tinha planos de plantar arroz numa das ilhas do rio. Tão logo esse produtor soube que o presidente Jango estaria em São Borja, de pronto foi falar com ele para solicitar a autorização para plantar, afinal, a ilha era um território federal, ou seja, de todos os brasileiros.
Chegando em São Borja, o produtor foi para a fazenda em que Jango estava. Lá o produtor viu, no caminho até onde o presidente se encontrava, uma cadela com vários filhotes, deitada num galpão. Filhotes bonitos que prontamente chamaram a atenção do uruguaianense.
Ao falar com o presidente do país, o produtor uruguaianense lhe fez quatro pedidos:
Primeiro, disse que queria plantar arroz numa das ilhas do Rio Uruguai.
Segundo, que havia trazido um amigo repórter de Uruguaiana, e gostaria de saber se o presidente poderia conceder uma entrevista.
Em terceiro, que soube que um avião partiria de São Borja para Uruguaiana e, se fosse possível, gostaria de voltar de carona.
No fim, pediu um dos filhotes da cadela que havia visto no galpão.
Jango disse o seguinte. Que em relação ao plantio de arroz na ilha, não haveria problemas, por sinal, disse que ele até nomearia o produtor rual como o “governador da ilha”. Nessa parte, eu não sei se foi um deboche do presidente ao intento do uruguaianense ou uma fala séria.
Depois, sobre o segundo pedido, disse que daria a entrevista, sem problemas. Com relação ao avião, disse que o produtor e seu amigo poderiam voltar de carona.
Agora, sobre o filhote da cadela, Jango negou e disse ao caudilho uruguaianense que, se desse um dos filhotes, teria sérios problemas com a sua esposa. A cadela não era de Jango, mas de sua esposa e sobre isso não havia o que pudesse fazer. A resposta era NÃO.
Em seguida, Jango disse ao uruguaianense e seu amigo para que ficassem para comer, prevendo que o mesmo também pediria isso em breve.
Já no avião, na volta de São Borja, ouviu-se um choro, quase um grunhido. Eis que de dentro de um casaco surge uma cabeça de cachorro.
Era o uruguaianense que, mesmo depois de pedir uma ilha, depois conseguir uma entrevista, de voltar de carona e de ter comido de graça, ainda havia roubado um dos filhotes de seu anfitrião. Na rádio, todos riram, acharam uma história normal. No carro, eu fiquei horrorizado.
A cadela do Jango fala muito sobre a mentalidade de alguns ricos produtores rurais da fronteira oeste e campanha, e o pior, uma visão de mundo latifundiária que encontra eco naqueles que moram de aluguel. Eco nas rádios.
E o eco desse tipo de mentalidade diz para algumas pessoas que trancar entradas de cidades, como se suas propriedades fossem, para evitar a caravana do Lula é compreensível. Dar tiros em ônibus de ex-presidente é normal. Empunhar relhos dentro de universidades é bonito. Ocupar esquinas contra uma imaginária “ditadura do comunismo”, diga-se, que nunca houve no Brasil, e clamar pela real e dramática “ditadura militar” e a volta da tortura, é compreensível.
O eco diz que condenar alguém à revelia da constituição, se eu não gostar da pessoa, é aceitável.
A cadela do Jango deixa tudo compreensível, ela esteve no cio. A cadela do fascismo, segue no cio.
Texto traduzido por Roger Baigorra Machado (retirado do facce deste)