segunda-feira, 16 de junho de 2014

Marco Aurélio Garcia (PT) defende pressão popular pela revisão da Lei da Anistia


Práticas como a tortura ainda são utilizadas como método de investigação policial, diz GarciaO assessor especial da presidência da República para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia (PT), é a favor de uma mobilização popular para pressionar o debate pela revisão da Lei da Anistia 
Ele foi o responsável pelo documento, resultante do último encontro nacional do PT, que propõe mudanças na legislação. 
Garcia – cujo cargo no Executivo federal tem status equivalente ao de ministro – é um dos quadros mais influentes dentro do partido, inclusive no Rio Grande do Sul. Ele participa do governo federal desde que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu em seu primeiro mandato. 
Na gestão da presidente Dilma Rousseff (PT), teve que tratar de assuntos espinhosos, como, por exemplo, o caso de espionagem do serviço secreto norte-americano sobre as instituições e os governantes brasileiros, incluindo a própria chefe do Executivo. 
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Garcia também aborda os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade. Além disso, avalia os protestos de junho de 2013 e os atuais protestos contra a Copa do Mundo no Brasil, projetando até que ponto eles podem interferir nas eleições deste ano. O petista esteve no Rio Grande do Sul para tratar das articulações da campanha do governador Tarso Genro (PT) à reeleição.
Jornal do Comércio – Quais os principais entraves para que seja realmente feita a revisão da Lei da Anistia? 
Marco Aurélio Garcia – Existem duas possibilidades de a Lei da Anistia ser mudada. Uma delas é que o Congresso Nacional anule a lei atual e promova outra. A segunda possibilidade é de que a questão seja reapresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF), como foi há alguns anos quando a considerou legal. Se o STF revisasse aquela decisão, na qual ele considerava pertinente a Lei da Anistia, daí, então, esse ponto estaria aberto. Não é uma questão que o Executivo possa decidir e, inclusive, muitos setores do Executivo têm opinião contrária. 
JC – Embora não seja o Executivo que possa resolver esse impasse, através das articulações com o Legislativo, pode-se levar essa questão adiante.
Garcia – A resolução dessa questão está nas mãos do Congresso Nacional ou do STF. Mas, evidentemente, também está condicionada à pressão da sociedade. É claro que o governo tomou iniciativas extremamente meritórias, como a Comissão Nacional da Verdade. Aliás, a própria presidenta Dilma Rousseff, quando lançou a comissão, fez questão de mencionar que governos anteriores também participaram desse esforço de reestabelecimento da verdade no País. Na cerimônia de abertura dos trabalhos, estiveram presentes os ex-presidentes José Sarney (PMDB), Fernando Collor de Mello (hoje PTB), Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Lula (PT). Com isso, a presidenta queria dizer que ela se colocava na esteira de uma série de iniciativas que tinham sido tomadas no passado para passar a limpo o período ditatorial.
JC – A Comissão Nacional da Verdade serve como um mecanismo de pressão popular para catalisar a revisão da Lei da Anistia?
Garcia – Ela pode alimentar uma pressão popular, mas a comissão tem limites que devem ser entendidos. E não me refiro aos limites institucionais, são limites históricos, objetivos. Não dá para obrigar as pessoas a contar o que fizeram. Além disso, muitas pessoas morreram, tanto vítimas quanto algozes. Mesmo assim, a comissão tem desempenhado um trabalho extremamente meritório. O esclarecimento da morte do (ex-deputado) Rubens Paiva é um grande exemplo disso. As descobertas ensejaram, entre outras coisas, uma ação judicial que vai se transformar num caso jurídico, porque, na medida em que o juiz aceitou a denúncia contra os supostos responsáveis pelo assassinato, esse tema vai chegar em algum momento ao STF de novo e, provavelmente, vai provocar uma resolução. Além disso, suscita uma discussão política, filosófica, jurídica muito importante no País, ligada à questão da prescrição ou não dos crimes de violação dos direitos humanos. Isso tem que se transformar num tema nacional. Estamos aqui preocupados em detectar responsabilidades, tentar entender por que se chegou a isso, mas, sobretudo, fixar uma perspectiva histórica de “nunca mais”. Afinal, certas práticas – como a tortura – ainda são utilizadas como método de investigação policial de um modo generalizado no País, embora menos que em outras épocas talvez. Sabemos também que esses procedimentos são usados na sua imensa maioria contra pobres e negros. O assunto ganhou certa importância porque, durante a ditadura, começaram a torturar os filhos da classe média que fizeram a opção pelo enfrentamento ao regime e, às vezes, nem isso. 
JC – Como proceder para terminar com a prática de tortura pela polícia?
Garcia – Em primeiro lugar, com transparência. Segundo, não é um problema setorial, mas da democracia em geral. Uma sociedade democrática garante que o monopólio da violência esteja nas mãos do Estado, e não seja utilizado de forma arbitrária, sobretudo contra os pobres. Fizemos grandes revoluções no Brasil em termos de igualdade, temos um avanço espetacular na redução da miséria absoluta, da pobreza, dos padrões socioeconômicos. Mas a igualdade é mais do que isso. É necessário ter políticas específicas para as mulheres, que são vítimas de violência cotidiana, civil; para os negros, sobretudo num país de população majoritariamente negra ou parda; para os homossexuais. Os governos Lula e Dilma têm dado uma ênfase muito grande nisso, dando um peso institucional maior aos ministérios que trataram das questões da liberdade e dos direitos civis, seja dos direitos humanos, seja das mulheres, seja dos negros. No entanto, a questão é mais complexa e envolve uma imprensa que fale sobre os direitos humanos, manifestações culturais.  
JC – O que mudou na relação entre Brasil e Estados Unidos depois que o governo brasileiro tomou conhecimento da espionagem que o serviço secreto norte-americano realizava no Brasil? 
Garcia – Os Estados Unidos e o Brasil são dois países importantes e, por mais dificuldades que tenhamos, vamos continuar nos relacionando. Nunca esteve em cogitação da nossa parte uma ruptura de relações ou esfriamento. Mas o calor da relação entre os dois países diminuiu, pois está ligado à confiança recíproca que os governos têm. Tivemos um abalo de confiança, não há dúvidas, os próprios americanos reconhecem isso. Foram denúncias gravíssimas, que não foram desmentidas, nem oferecidas explicações, nem apresentadas medidas corretivas, nem um pedido de desculpas. O presidente (dos Estados Unidos) Barack Obama fez um pronunciamento que foi um avanço em relação à situação anterior. Mas esse não é um problema do Brasil com os Estados Unidos, é um problema dos cidadãos norte-americanos com o governo norte-americano. É um problema para quem avaliza esse tipo de atividades, sobretudo, num país que pretende ser um paradigma democrático.
JC – Qual a avaliação que o senhor faz da CPI da Petrobras? 
Garcia – As irregularidades estão averiguadas. Em um primeiro momento, de forma independente pela Polícia Federal, que, apesar de ser um órgão do poder Executivo, tem mostrado uma independência extraordinária, inclusive chegando ao ponto de divulgar documentos publicamente sem que possa haver o contraditório. Em segundo lugar, isso também será objeto de investigação do poder Judiciário. A criação de uma CPI pode ajudar? Pode. Acho que o objetivo fundamental da proposta de criação da CPI foi um motivo político, de desgaste do governo, e a oposição está exercendo seu papel ao fazer isso. O governo não tem como ocultar essas questões, e a prova é que todas as denúncias no caso da Petrobras foram feitas por organismos do próprio governo. 
JC – A questão do julgamento do mensalão desgastou de alguma maneira a relação do Executivo com o Judiciário?
Garcia – Não, não, porque não foi o Executivo que estava em questão. Não havia ninguém do Executivo sendo processado ali. Envolveu pessoas que foram do governo. Poderia dizer que criou uma tensão com o PT e outros partidos. E, entre outras coisas, houve questionamentos sobre algumas práticas utilizadas no processo do julgamento. Da mesma forma que parte da sociedade se mobilizou por uma aceleração do processo político, houve setores que ficaram escandalizados com certos supostos jurídicos utilizados no julgamento, como por exemplo a teoria do domínio do fato. 
JC – Como o governo avalia os protestos que estão acontecendo, contra a Copa do Mundo, contra a execução das obras, os recursos, etc. 
Garcia – Fizemos uma mudança muito grande no País, governo e sociedade; sem a participação da sociedade, essas mudanças não seriam possíveis. Essas mudanças alteraram de forma substantiva a condição socioeconômica das pessoas, as rendas, os salários, o pleno emprego. No entanto, esses setores que ascenderam e outros que já estavam em melhor condição se deram conta de que o problema da desigualdade no País não é um problema que passa só pela questão socioeconômica. Alguns problemas se agravaram pela ampliação da renda, por exemplo, o transporte aeroviário. Em um determinado momento, os aeroportos ficaram incapazes de acolher uma nova leva de passageiros que veio das rodoviárias. Além disso, tem a questão do sistema de transporte ruim, das escolas, da saúde, que apesar de todas as melhorias, ainda está muito aquém das demandas. E as demandas aumentaram o seu patamar. 
JC – Acredita que as manifestações vão ter algum peso nas eleições deste ano? O que o senhor acha que mudou no governo e na oposição com os protestos?
Garcia – Na oposição, acho que não mudou nada. Ela não entendeu nada do que aconteceu no País, porque o principal candidato da oposição (Aécio Neves, PSDB) está propondo uma agenda regressiva, uma agenda pré-Lula e, se ele não é mais explícito, é porque se deu conta que está pegando mal. Está propondo que pleno emprego não é bom, salário-mínimo está muito alto, Bolsa Família é bolsa-esmola etc. Só sabe falar das medidas amargas. O outro candidato está num zigue-zague (Eduardo Campos, PSB): fala com os empresários e sai entusiasmado pelas medidas amargas; depois, se dá conta que não vai longe com isso. 
JC – E o que o governo aprendeu com os protestos?
Garcia – O governo deu uma resposta imediata. Os cinco pactos da presidenta representam isso. Por exemplo, o pacto pela educação foi contemplado pela destinação dos recursos do pré-sal, que até aquele momento não havia sido decidida. O pacto pela saúde se traduziu no programa Mais Médicos que, agora, a oposição teve que parar de criticar, porque, mais de 80% da população o apoiam. O pacto pela mobilidade urbana produziu muitos resultados. Se não produziu mais, diria que, em vários casos foi pelo despreparo institucional de governos estaduais e municipais de assumir a elaboração de projetos que sejam capazes de viabilizar metrôs, Veículos Leves Sobre Trilhos. 
JC – O financiamento de empresas nas campanhas ainda gera debate. Como o senhor acha que isso vai impactar na política brasileira nas eleições? 
Garcia – Sou favorável ao financiamento público total das campanhas e quem é contra, de boa fé, vai se dar conta que vai sair mais barato. O Estado vai gastar menos dinheiro financiando os partidos do que permitindo que o financiamento seja feito por empresas, porque as empresas não financiam de graça. As empresas estão fazendo investimentos, supondo que vão recuperar esse dinheiro com obras futuras. Em segundo lugar, sou favorável também ao voto por lista, porque eu quero preservar não só as instituições, mas o meu partido.

Perfil

Marco Aurélio Garcia nasceu em Porto Alegre em 1941. Graduou-se na Faculdade de Direito e de Filosofia da Ufrgs. Tentou a carreira política quando era estudante: começou no grêmio estudantil do Colégio Estadual Júlio de Castilhos, na década de 1950; foi eleito presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1961; e, em 1963, foi eleito suplente do vereador de Porto Alegre Lauro Haggemann, assumindo a vaga durante alguns meses em 1966. Era ligado ao Partido Comunista Brasileiro, no entanto, a vereança foi o último cargo eletivo que assumiu. Em 1967, saiu do País para fazer pós-graduação na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, na França. Em 1969, voltou ao Brasil, mas, por causa da repressão da militar (1964-1985), exilou-se durante nove anos – no Uruguai, no Chile e na França.  Ele participa do governo do PT, no governo federal, desde o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. É assessor especial da presidência da República para assuntos internacionais.

ENTREVISTA ESPECIAL Notícia da edição impressa de 16/06/2014

Marcus Meneghetti

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