“A RBS tem uma visão
político-ideológica saudosista” |
Foto: Bernardo Jardim
Ribeiro/Sul21
Marco
Weissheimer
O governo do Estado do Rio Grande do Sul está entrando
em uma nova etapa em sua política de comunicação. Ancorada na ideia de que a
igualdade faz a diferença, essa política procurará mostrar a presença do
princípio da igualdade nas políticas do governo gaúcho. “Nós afirmamos que todas
as políticas estratégicas do governo estão sintetizadas nesta formulação”, diz o
governador Tarso Genro em entrevista exclusiva ao Sul21.
Na entrevista, Tarso
Genro faz um balanço de dois anos e meio de governo, defende suas políticas,
aponta as metas estratégicas para o período restante, aponta erros e
preconceitos em relação ao governo na cobertura midiática dos veículos da RBS,
que, para ele, são expressões de uma visão político-ideológica saudosista,
particularmente do que designa como “era Britto”, que se caracterizou “pelas
privatizações (de parte da CEEE, por exemplo, ficando o Estado com as dívidas),
o enfraquecimento da capacidade de planejamento do Estado, e do aumento brutal
da dívida pública, através do calote das diferenças salariais da Lei Britto, que
agora estão sendo cobradas em volumes escandalosos, através de vultosos
precatórios”.
O governador também fala
sobre a sucessão de 2014 e anuncia que pretende tratar desse assunto somente em
novembro deste ano. “Acho que novembro é um bom momento para iniciar essa
conversa. Pretendo que até o final de dezembro o governo esteja equalizado para
saber quem são seus aliados para reeleger o projeto atual”, anuncia o chefe do
Executivo gaúcho.
“No campo do ‘fazer’,
nosso balanço é positivo” |
Foto: Bernardo Jardim
Ribeiro/Sul21
Sul21:
Estamos a pouco mais de um ano das eleições de 2014.
Qual é o balanço que o senhor faz do seu governo até
aqui?
Tarso Genro: Penso que essa questão do balanço deve ser dividida em
duas partes. A primeira parte diz respeito à gestão financeira do Estado; a
segunda tem a ver com a gestão pública enquanto tal e as políticas que
desenvolvemos. Quanto à gestão financeira, a situação do Estado é mais ou menos
a mesma de quando chegamos ao governo. O Estado tem uma situação estrutural
deficitária que é grave e que não será resolvida sem uma decisão de
reestruturação da dívida pública por parte do governo federal. Até agora
obtivemos uma conquista importante que foi o refinanciamento do Estado nos dois
primeiros anos de governo através de um espaço fiscal que permitiu a contratação
de financiamentos de agências nacionais e internacionais com aval da União. Isso
nos permitiu desenvolver de maneira equilibrada o nosso
projeto.
Sul21:
Há quem diga que o Estado é
ingovernável…
“Estamos partido para uma
nova etapa na nossa comunicação” |
Foto: Bernardo Jardim
Ribeiro/Sul21
Tarso Genro: Às vezes eu leio algumas falas e avaliações na imprensa
como se estivéssemos aqui para fazer “déficit zero” ou para reestruturar o
Estado financeiramente com arrocho salarial e sem políticas sociais. Não é esse
o nosso papel. A estrutura financeira do Estado e a sua dramaticidade permanece
a mesma, mas com resultados diferentes, do ponto de vista das políticas
públicas. E aí passo ao segundo ponto do meu balanço, que subdivido em três
elementos: o fazer (investir, fazer obras), as políticas sociais e a qualidade
da gestão pública. Nestes três campos, os resultados do nosso governo, em dois
anos, são incomparáveis, em termos de qualidade e quantidade de coisas feitas,
com os quatro anos do governo anterior e, em alguns casos, com os oito anos de
governos anteriores.
No campo do “fazer”, por
exemplo, atualmente temos obras viárias no Rio Grande do Sul, do governo
estadual e do governo federal, que não têm precedente nos últimos vinte anos.
Nós já fizemos consertos, médias e pequenas reformas em 1.700 escolas. Na área
social, temos políticas originárias da Secretaria de Direitos Humanos, da
Secretaria da Mulher, da Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social e da
Casa Civil. Para citar um exemplo da área dos Direitos Humanos, nenhum jovem que
está nas nossas casas está fora do estudo ou do trabalho. Em relação às
políticas para a mulher, destaco a Patrulha Maria da Penha e o apoio que estamos
dando às prefeituras no combate à violência contra a mulher. Nunca houve isso no
Estado do Rio Grande do Sul, na dimensão atual.
Ainda na área social,
temos hoje um programa que se chama RS Mais Igual, que complementa renda de
famílias gaúchas cadastradas no Bolsa Família e com crianças de até seis anos de
idade. Em dois anos e meio de governo qualificamos um número de trabalhadores,
superior à dobra dos últimos quinze anos, através da Secretaria do Trabalho e
Desenvolvimento Social, em conjunto com o Governo Federal. Estamos
implementando, com políticas de atração do Estado, investimentos privados no
montante de 24 bilhões de reais. Os três planos safras estaduais estão mudando a
realidade da agricultura e do cooperativismo para muito melhor e são inéditos no
Brasil. Na questão da gestão pública do Estado, estamos instituindo um sistema
de participação popular que tem mecanismos digitais, presenciais e de conselhos,
que já acumulam um prestígio internacional. Muitos países europeus e outros
países da América Latina estão olhando para nós e apontando esse nosso sistema
de participação popular como exemplo a ser seguido. Então, o nosso balanço do
que foi feito até aqui é positivo.
Sul21:
E quais são os principais desafios e objetivos do
governo neste um ano e meio de mandato que vem por
aí?
Tarso Genro: Estamos partindo para uma nova etapa na nossa
comunicação. Achamos que o primeiro período já foi bem atravessado e passamos,
agora, por um processo de depuração conceitual, que vai dar origem a uma nova
política de comunicação e a um novo processo informativo, interno e externo.
Esse trabalho está sendo coordenado pelo secretário João Ferrer que, juntamente
com sua equipe, encontrou uma fórmula para sintetizar essa nova etapa: a
promoção da igualdade como elemento que faz a diferença. Nós constatamos que
todas as políticas estratégicas do governo estão sintetizadas nesta formulação.
Isso vai propiciar uma estética informativa mais adequada e também um conteúdo
informativo mais preciso.
Nós, a coalizão política
que está no governo, temos uma vantagem comparativa em relação a qualquer outra
força política aqui no Estado: os nossos projetos estratégicos estão todos
entranhados na nossa estrutura de classes. Não há um setor da sociedade que não
tenha um grupo maior ou menor, dentro dele, que não esteja sendo beneficiado, de
algum modo, por nossas políticas. Todos os grupos sociais têm, inclusive no meio
empresarial, bases de apoio do nosso projeto. Hoje, o nosso programa de atração
de investimentos, por uma parte, e o nosso programa de microcrédito, por outra
parte, nos dão uma capacidade de diálogo extraordinária com os setores
empresariais que não têm preconceito contra um projeto de desenvolvimento
orientado estrategicamente pelo Estado.
“A RBS trata de jogar o
estado ‘para baixo’ a fim de tornar nosso governo irrelevante” |
Foto: Bernardo Jardim
Ribeiro/Sul21
Sul21:
Nas últimas semanas, algumas manchetes da imprensa, em
especial da Zero Hora e de outros veículos do grupo RBS, expõem uma percepção um
pouco diferente a respeito da situação de vários serviços públicos no Rio Grande
do Sul. “Pesadelo da saúde”, “dois passos atrás” na qualidade de vida, “elefante
branco” (no caso do laboratório de medicamentos) foram algumas das expressões
utilizadas. Qual sua avaliação acerca dessa percepção
midiática?
Tarso Genro: Em primeiro lugar, gostaria de dizer que o Grupo RBS e a
Zero Hora têm todo o direito de fazer o que estão fazendo. Numa sociedade
democrática, a imprensa tem que emitir os seus pontos de vista de maneira
totalmente livre. Mas nós também temos o direito de apresentar a nossa
compreensão sobre os fatos em questão e analisar os motivos que explicam por que
isso está ocorrendo. Podemos partir da seguinte premissa: porque, no Governo
Britto a RBS “jogava o Estado para cima” e agora faz tudo para “jogar o Estado
para baixo”. Somente ressaltando problemas, sem mostrar o que estamos fazendo
para debelá-los, aliás, de maneira inédita nos últimos anos. É sabido que a RBS
é, também, além de um grupo midiático, um grupo político-ideológico de
comunicação. Não faz, assim, uma cobertura isenta, não só das questões
nacionais, como das regionais. Pode-se dizer até que grupos como a RBS e a Rede
Globo são, na verdade, um novo tipo de partido político. Eles hierarquizam e
organizam a apresentação dos fatos de acordo com a sua visão de mundo. São
livres para fazê-lo, graças às conquistas que a esquerda e o campo progressista
do país obtiveram a partir da Constituição de 1988. Vou citar alguns exemplos
muito significativos, para refletirmos sobre essa percepção
midiática.
Tomemos o caso do
“pesadelo na saúde”. Essa campanha contra o Sistema Único de Saúde começou
fortemente há uns 90 dias aproximadamente, pelo Sistema Globo e pela RBS também.
É um momento em que os planos privados de saúde no Brasil entram em crise. Isso
gera uma grande inconformidade em setores da classe média, que têm acesso a
estes planos de saúde. A campanha feita contra o SUS acabou desviando a atenção
do povo e deixando em segundo plano essa crise brutal. O Sistema Único de Saúde,
aliás, sempre foi combatido no Brasil, pela direita e pelos defensores do
privatismo sem fronteiras. Esse sistema garante, sei lá, 200 a 300 milhões de
atendimentos por ano e é um grande serviço que o estado brasileiro presta à
população mais pobre. É um sistema que está subfinanciado, é verdade, e tem
problemas para resolver, é verdade. Precisa contratar mais médicos e qualificar
o atendimento, especialmente nas grandes regiões metropolitanas, é verdade. Mas
é uma grande conquista do povo brasileiro, que majoritariamente gosta do SUS e o
compreende como um grande valor público. Essa visão do caos na saúde, agora,
aponta diretamente para um ataque ao sistema público de saúde, omitindo a grave
crise pela qual passam os planos privados.
Outra matéria: os “dois
passos atrás”, nos índices sociais, esconde o essencial. Os índices apresentados
vão até 2010, não atingindo, portanto, o nosso governo. A matéria tampouco faz
qualquer menção às políticas públicas de combate às desigualdades sociais e
regionais, que começamos a implementar, de lá para cá, exatamente na contramão
do que foi feito aqui no Rio Grande do Sul naquele período. E o caso do
laboratório de medicamentos do Estado é mais um exemplo nesta direção. O
laboratório é apresentado como um espaço em crise, como um serviço público
inepto, quando a realidade é que nós estamos exatamente revertendo uma situação
de abandono, com investimentos muito fortes para que ele retome a produção de
remédios essenciais à população. Esses são alguns exemplos da prática que citei,
que hierarquiza a organiza os fatos, na notícia, segundo uma visão ideológica de
mundo. Nestas matérias os fatos são hierarquizados para combater o público e
para dizer que temos aqui no Estado um governo inepto.
Há outro exemplo muito
significativo que é o tratamento que o caderno Dinheiro, de Zero Hora, deu para
a questão do desenvolvimento industrial e econômico do Estado. Esse caderno
apresenta uma informação que é dolosamente omissa em relação a tudo o que foi
feito em dois anos e meio do nosso governo, como se estivéssemos com o sistema
de incentivos anterior e como se a economia do Estado estivesse sem
investimentos, quando é exatamente o contrário. Nós reformamos e
horizontalizamos todo o sistema de investimentos, beneficiando cooperativas e
médias empresas e, de outra parte, nunca recebemos tantos investimentos
privados. Esse grupo de comunicação faz, assim, um trabalho não só de jogar o
Rio Grande do Sul “para baixo”, de forma permanente, como também de aproveitar
esse “jogar para baixo” para tornar irrelevante um governo de esquerda, que está
revertendo uma situação que herdamos de governos anteriores, pelos quais eles
tinham um carinho todo especial. Tem o direito de fazê-lo. E nós de
responder.
“Nós somos obrigados a
dar proteção a quem quer que seja” |
Foto: Bernardo Jardim
Ribeiro/Sul21
Sul21:
A comunicação acabou se tornando também um tema
importante dos protestos de rua que eclodiram no país em junho e julho. Na sua
opinião, qual é o espaço e a importância dessa agenda hoje no debate público
brasileiro?
Tarso Genro: Sobre esse tema, cabe registrar em primeiro lugar que os
grandes monopólios de comunicação do país tentaram, em determinado momento,
manipular os movimentos que estavam nas ruas. Isso ficou muito claro no momento
em que adotaram a tese do “gigante acordou”, como se o Brasil, desde a
Constituição de 1988, estivesse dormindo. Essa tese é uma fraude. A partir daí,
a cobertura midiática passou a ser dirigida contra a política e contra o setor
público. As manifestações eram endeusadas até que, um contingente dos
manifestantes começou a atacar também os meios de comunicação. Eles foram
apresentados, então, como pequenos contingentes que estavam contra os meios de
comunicação, o que foi mais uma fraude informativa. Aqui no Rio Grande do Sul,
por exemplo, tivemos um deslocamento de cerca de 20 mil pessoas em direção a
RBS, com intenções fortes. Nós somos obrigados, por uma postura republicana e
por respeito à Constituição, a dar proteção a quem quer que seja, e fizemos isso
em relação a RBS, de maneira consciente e
responsável.
Sul21:
E o governo recebeu muitas críticas por isso,
aliás…
Tarso Genro: Sim, o governo foi atacado neste episódio por lideranças
desses movimentos porque garantimos a segurança que a RBS deveria receber
naquele momento. Da mesma forma que daríamos segurança para a sede do PSOL, do
PSTU ou de qualquer outro partido que fosse atacado por forças de ação direta,
que estavam inclusive misturadas nestas manifestações em alguns momentos. Se nós
tratássemos a RBS com o mesmo preconceito que elas nos trata, provavelmente a
sede da empresa teria sido depredada naquela oportunidade. Mas nós fomos
superiores a essas contingências, assumindo um compromisso com a liberdade de
imprensa e também com a integridade física das pessoas que trabalham
lá.
“Não se trata de
cerceamento de expressão, até porque existe uma sólida norma constitucional que
regula essa situação” |
Foto: Bernardo Jardim
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Sul21:
Seguindo neste tema, em que pé anda a proposta de
criação de um Conselho de Comunicação no
Estado?
Tarso Genro: Estamos com a proposta pronta e determinei a Vera
Spolidoro, que está coordenando esse trabalho, que faça uma nova rodada de
negociação com os partidos e as entidades do setor. Hoje, nós não temos maioria
na Assembleia Legislativa, para aprovar esse projeto. Na própria bancada do
governo existe uma controvérsia sobre essa questão. Houve uma espécie de lavagem
cerebral sobre esse tema, porque sempre que se fala em Conselhos de comunicação,
aparece alguém dizendo que isso atenta contra a liberdade de imprensa, o que é
mais uma fraude informativa. O que precisamos reformar no Brasil não são as
instituições que preservam a liberdade de imprensa. O que precisamos reformar é
o sistema de concessões e estabelecer regulações para que a comunicação cumpra
suas finalidades constitucionais. Não se trata, absolutamente, de cerceamento de
liberdade de opinião, o que até seria uma pretensão infantil, pois temos uma
sólida norma constitucional que regula essa
situação.
Sul21:
E o projeto do passe livre estudantil? Quais as
perspectivas para sua aprovação?
Tarso Genro: É natural que, quando se apresenta um projeto arrojado
como este, em uma situação de tensão como a que aconteceu, os deputados, em
especial da bancada governista, queiram algum protagonismo. É justo isso. Neste
momento, estamos negociando algumas modificações no projeto para unificar a
nossa bancada, sem mudar o cerne essencial da proposta e sem gerar custos
impagáveis para o Estado.
Sul21:
Quando é que deve ser tomada uma decisão em relação à
sua possível candidatura à reeleição? O governador tem pensado
nisso?
Tarso Genro: Tenho sido interpelado sobre esse tema por companheiros
de partido e de governo. O que tenho dito é que devemos iniciar uma conversação
sobre isso em novembro e não agora. Penso que os partidos que compõem a coalizão
têm o direito de tomar o rumo que quiserem no ano que vem, tendo candidato
próprio, participando de outras coalizões ou prosseguindo com o nosso projeto.
Eles tiveram a oportunidade de experimentar a nossa forma de governar, a relação
que instituímos com os nossos aliados. É natural que eles avaliem tudo isso e
decidam o seu destino. Os partidos que eventualmente escolherem não continuar
conosco no próximo período obviamente vão querer sair do governo em dezembro,
para que a gente entre em janeiro com o secretariado estabilizado, a partir da
coalizão que resultar desse processo.
Além disso, não sabemos
qual será a posição do meu partido. Se vai solicitar que eu concorra novamente,
se vai discutir outro nome que pode ser inclusive de outro partido. Não podemos
excluir nada aí. Acho que novembro é um bom momento para iniciar essa conversa.
Pretendo que até o final de dezembro o governo esteja equalizado para saber quem
são seus aliados para reeleger o projeto atual. Já disse a meus companheiros que
eu não me sinto, em nenhum momento, tentado a dizer que devo ser candidato.
Creio que o que precisa ser preservado é uma aliança ampla que tenha no cerne a
continuidade da execução do nosso programa, que, na minha opinião, é um programa
inovador para o Estado e está tendo sucesso.
SUL
21 -08/08/2013
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