A exemplo dos nazistas, Revista Veja dispensa democracia e prega “pensamento
único”
VEJA quer calar a democracia
Marcelo Semer
"VEJA está aturdida e indignada com a afirmação
de que existe direito além da lei"
Tolice suprema, coleção formidável de
bobagens, condoreirismo cafona.
Com esses e outros adjetivos ainda piores, o
jornalista Reinaldo Azevedo iniciou, em seu blog, uma onda de ataques da
revista VEJA à Associação Juízes para a Democracia (AJD).
Nos posts que buscavam detonar a associação por
uma nota crítica à ação da Polícia Militar na USP, sobrou até para os
educadores que seguem Paulo Freire: "idiotas brasileiros e cretinos
semelhantes mundo afora".
O nível do artigo já se responde por conta
própria.
Todavia, na edição impressa que veio às bancas no
sábado último, o editor-executivo da revista subscreveu um texto que, sem
qualquer constrangimento ou escrúpulo político, comparou a associação a um
tribunal nazista.
O descompromisso com a razão nem é o que mais
ressalta no artigo -a foto gigantesca de pupilos de Hitler, fora de tom ou
propósito, só se explica como um ato falho. No artigo, Carlos Graieb utiliza
expressões que se encaixariam perfeitamente no ideário nazista: propõe
dissolver a associação "política" ou impedir que seus membros usem a
toga.
Reinaldo Azevedo, com ainda menos pruridos no
mundo virtual, explicitou, numa ação que evoca o macarthismo, os nomes de todos
os diretores, representantes e membros de conselhos da entidade, alertando
leitores para que jamais aceitem ser julgados por estes juízes.
Que competência ou legitimidade para a posição soi-disant
de corregedor ele tem não se sabe. Mas seus seguidores foram instados a
identificar os juízes associados pelo próprio colunista, que deu status de
artigo a mensagem de um advogado falando do desembargador 'liberal' apreciador
de samba.
VEJA está aturdida e indignada com a afirmação de
que existe direito além da lei. Os nazistas também ficavam, porque as barbáries
escritas no período mais negro da história da humanidade eram legais. Jamais
deixaram de ser barbáries por causa disso.
A prevalência dos princípios constitucionais é o
que propunha, sem grandes novidades, a nota da Associação Juízes para a
Democracia. Se juízes não podem fazê-lo em um estado democrático de direito, na
tutela da Constituição que prometeram defender, algo definitivamente está errado.
Mesmo para quem conhece a linha editorial de
VEJA, cuja partidarização na política é sobejamente criticada, espanta que o
interesse em calar quem pensa de outra forma, parta justamente de um órgão de
imprensa.
Que a falta de pluralismo de suas páginas já
fosse, por assim dizer, um oblíquo atentado à liberdade de expressão, o
explícito intuito de extirpar opiniões contrárias não deixa de ser
aterrorizador. Sob esse prisma, lembrar o nazismo não é mais do que medir o
outro com a própria régua.
A Associação Juízes para a Democracia tem vinte
anos de serviços prestados ao debate institucional na magistratura e fora dela
- e eu me orgulho de fazer parte dessa história quase por inteiro.
A AJD tem entre seus objetivos o respeito
incondicional ao estado democrático de direito e jamais deixou de denunciar
quando este se fez ameaçado. Bate-se sem cessar pela independência judicial e é
militante na consideração do juiz como um garantidor de direitos.
A promoção permanente dos direitos humanos,
compartilhada com inúmeras outras entidades da sociedade civil, sempre
incomodou aos que se candidatam a porta-voz dos poderosos. Mas recusamos o
propósito de quem quer fazer da democracia apenas uma promessa vazia.
A associação nunca se opôs a criticar o elitismo
no próprio Judiciário, nem temeu se mostrar favorável à criação de um órgão
para exercer o controle externo. Tudo por entender que desempenhamos,
sobretudo, um serviço essencial ao público - o que levou a AJD a participar da
Reforma do Judiciário propondo, entre outros temas, o fim das sessões secretas
e das férias coletivas.
Anticorporativista, a associação jamais defendeu
valores em benefícios próprios, o que pode ser incompreensível em certos
ambientes. Recentemente, bateu-se pela legalidade da instauração de processos
administrativos contra juízes pelo Conselho Nacional de Justiça, na contramão
de interesses de classe.
Em vinte anos, seus membros têm sido convidados a
participar de vários debates no Poder Judiciário, no Congresso Nacional e
também na mídia.
O exercício contínuo da liberdade de expressão,
que fascistas de todo o gênero sempre pretenderam mutilar, não vai ceder ao
intuito de quem pretende impor sua visão e seus conceitos como únicos.
VEJA não está em condições de ensinar estado de
direito, se desprestigia a liberdade de expressão.
Marcelo Semer é Juiz de Direito
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