Os dois anos como líder do governo na Câmara Federal deram grande experiência a Henrique Fontana (PT-RS) quando o assunto é gerenciamento de conflitos. Depois de atuar na linha de frente de projetos como o Minha Casa, Minha Vida e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Fontana está envolvido em outra batalha – desta vez, nos bastidores. Marco Maia (PT-RS), indicado pelo PT para a presidência da Câmara em 2011, corre o risco de ter de disputar o cargo com Aldo Rebelo (PCdoB-SP). A iniciativa de Rebelo seria uma represália dos comunistas, que estão descontentes com o pouco espaço no governo de Dilma Rousseff. Henrique Fontana, nome de grande trânsito entre as bancadas do chamado “bloquinho” de Brasília (PT, PCdoB e PSB), está sendo o principal articulador de um acordo que supere o impasse e evite uma desgastante disputa pela presidência.
Prestes a iniciar o quarto mandato em Brasília, Henrique Fontana atendeu o Sul21 por telefone, no intervalo de duas reuniões. Discutiu as questões que envolvem a presidência da Câmara Federal, e aprofundou também outros aspectos do governo que se inicia em janeiro, demonstrando confiança no conhecimento adquirido por Dilma durante sua atuação no governo Lula. Comentou ainda sobre o recente aumento de salário dos parlamentares, lamentando o critério adotado e propondo que o Supremo Tribunal Federal (STF) passe a votar os aumentos da Câmara Federal. E previu uma boa relação do futuro governador do RS, Tarso Genro, com o governo federal, garantindo que a bancada petista trabalhará para ampliar o repasse de recursos para obras e investimentos no estado.
“É muito difícil realizar um processo de composição no qual os partidos aliados digam que está tudo ótimo, sem levantar nenhuma crítica.”Sul21 – É sempre complicado lidar com a divisão de cargos durante a montagem de um novo governo. Alguns aliados ficam insatisfeitos, querem mais espaço, e isso pode provocar rachaduras na base governista. Como o senhor avalia a composição de governo feita por Dilma Rousseff?
Henrique Fontana – Vejo que a nossa presidenta conseguiu compor um governo que, além de manter a qualidade de quadros para os diferentes ministérios, conseguiu o objetivo da composição política. É normal que algum partido, mesmo o próprio PT, tenha críticas quanto ao resultado final de alguns ministérios, mas o fato de que essas críticas vem de partes distintas da base aliada indica que ela conseguiu equilíbrio, gerando apenas insatisfações pontuais. Ela compôs, e todos aceitaram essa composição, sinal de que o objetivo político foi alcançado.
Sul21 – Como encarar, então, as críticas de alguns setores próximos ao núcleo do governo?
HF – É muito difícil realizar um processo de composição no qual, depois de todas as cartas estarem colocadas na mesa, os partidos aliados digam que está tudo ótimo, sem levantar nenhuma crítica. O importante é que o governo é plural, tem espaço para todos os aliados que compuseram a nossa aliança vitoriosa. Tem um espaço um pouco maior para o PT, mas isso é normal, já que é o partido da Presidente da República, além de ter a maior bancada. Somos o núcleo de sustentação do governo, em cargos como Casa Civil, Justiça e Fazenda, como foi no governo Lula. Acho que foi uma articulação bem sucedida, com bons resultados.
Sul21 – Um dos partidos que manifesta sua inconformidade de forma mais clara é o PCdoB. Isso pode ter reflexos até na presidência da Câmara para 2011, já que Aldo Rebelo (PCdoB-SP) dá sinais de que pode concorrer com Marco Maia (PT-RS), indicado pela bancada petista, gerando grande desgaste dentro da base governista. Como evitar que isso se concretize?
HF – Estamos conduzindo isso de forma respeitosa e politizada. Tenho conversado com as lideranças do PCdoB. Ontem mesmo tive uma reunião, junto com o nosso candidato Marco Maia, com o deputado Daniel Almeida, que é líder do PCdoB. Nosso esforço é de expor a eles a nossa visão, ou seja, de que o PCdoB e o PSB são aliados que nós consideramos estratégicos e com um papel muito importante no nosso governo. Em termos de espaço de governo, o PCdoB continua com espaço semelhante ao que tinha no governo Lula, mas ainda mais do que isso, ele tem um espaço permanente de diálogo com a presidência e com o núcleo de governo. Dentro da Câmara, eu tenho grande respeito pelo deputado Aldo Rebelo, que foi nosso presidente (2005-2007), inclusive estive no centro da campanha dele quando ele assumiu a presidência da Câmara. Mas temos procurado ponderar a ele, e ao PCdoB como um todo, que o momento pede que tenhamos uma unidade em torno da regra institucional, que é do maior partido (PT) indicar o candidato à presidência. No caso, o acordo que fizemos é de que os dois maiores partidos, PT e PMDB, indiquem o presidente por dois anos cada um. Poderá surgir um outro momento, como da outra vez, quando a candidatura do deputado Aldo acabou se tornando a candidatura de todos nós. Daquela vez, entendemos que o nome dele era o mais forte para o momento. Mas não é o caso de agora. Entendemos que acabamos de sair de uma eleição, na qual o PT recuperou a condição de maior bancada na Câmara, e nós temos nomes qualificados para ocupar a presidência da Casa, entre os quais já escolhemos o Marco Maia. Agora, nós queremos pedir o apoio do PCdoB nessa política de distribuição proporcional dos espaços na Câmara.
“A gente nunca pode ser afobado na política.”Sul21 – Mas o senhor confia no acordo?
HF – Sim. Nós temos procurado o PCdoB, além de lideranças do PSB e do próprio PDT, e as coisas têm caminhado bem. Agora, a gente nunca pode ser afobado na política. Existe uma legitimidade, o Aldo é um líder muito forte no parlamento e algumas pessoas o procuram com a ideia de uma candidatura. É normal que ele e o PCdoB tenham o seu tempo de análise. Mas a nossa expectativa é de que caminhemos juntos nessa questão da presidência da Câmara. As notícias são boas da parte do PSDB e do Democratas (outros dois partidos com forte representação em Brasília), mas queremos especialmente evitar uma divisão no nosso campo, na base aliada que dá sustentação ao governo Dilma. Esse seria o pior cenário, o que seria concretizado com uma segunda candidatura. Isso pode dar problemas mais sérios. Mas acho que a chance de que isso seja evitado é muito boa, e estamos trabalhando para isso.
Sul21 – O que podemos esperar dos primeiros dias de Dilma Rousseff na Presidência da República? Quais os principais desafios que se desenham para o primeiro ano de governo?
HF – Acho que o governo Dilma vai começar muito bem. Temos uma aliança até mais ampla, pelo número de parlamentares, do que no governo Lula. Ou seja, no Congresso, a coisa tende até mesmo a melhorar. Nós já temos uma experiência grande em ser governo, já são oito anos, e isso também nos dá uma maturidade e um conhecimento maior dos mecanismos do dia a dia da gestão e da composição política. Economicamente, o país está bem, e isso também ajuda muito o governo, já que a economia move muito a política. Dá uma solidez, digamos assim. Então, nós não acreditamos que a oposição reproduza, no início do próximo governo, o que foi o tensionamento exacerbado que ela teve em boa parte do governo Lula. A gente espera um ambiente mais voltado para a negociação, buscando a solução de problemas objetivos do país. Por exemplo, na ideia de fazermos uma reforma tributária, na ideia de que tenhamos alterações no sistema político. Penso que é esse o ambiente que deve se tentar criar no início da nova legislatura. Reformas que possam ser construídas com a participação conjunta de governo e oposição.
Sul21 – Mas existem questões que serão, de certo modo, herdadas do governo Lula. Por exemplo, a compra dos caças para a Força Aérea Brasileira (FAB) e a nomeação do novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Essas questões podem criar algum embaraço? Não acabam dificultando um pouco o começo do governo Dilma?
HF – Isso é algo normal. O ato de governar pode ser definido como um moto contínuo, então, por mais que o presidente procure limpar a pauta, isso acaba acontecendo. O bom é que a Dilma já tem um volume de informações muito grande sobre os assuntos que estão por serem definidos. Isso é uma vantagem para o país. Ela sobe na bicicleta andando e pode manter a mesma velocidade. Ela tem conhecimento profundo sobre um conjunto de temas, como esse que tu citaste, dos caças. É um assunto que não estudo muito, que não é do meu cotidiano, mas que a presidenta certamente conhece bem, participou de muitas conversas sobre o tema, em seus tempos de chefe da Casa Civil. Ela não começa do zero, e isso é ótimo para todos.
“Me inclino para a ideia de que o Supremo (STF) poderia definir o salário do parlamento.”Sul21 – Uma das questões mais delicadas dos últimos dias da Câmara foi a aprovação do aumento de 61,8% para os salários dos deputados. É uma situação desgastante para a imagem dos deputados federais, além de polêmica. O senhor foi favorável ao aumento? Como evitar esse tipo de constrangimento?
HF – Queria deixar claro que eu tenho uma posição diferente da que foi tomada pelo parlamento. Na minha opinião, era mais adequado adotar um modelo de correção pela inflação dos quatro anos, fazer uma reposição a partir dos índices de inflação, e posteriormente, incorporar um mecanismo de reposição anual, de modo que se pudesse ter mais controle sobre esses valores. Além disso, do ponto de vista institucional, me inclino para a ideia de que o Supremo (STF) poderia definir o salário do parlamento. Isso evitaria o constrangimento que ocorre a cada votação de aumento. Porque, mesmo que a regra seja essa, de que se vote no final de uma legislatura para que o aumento valha apenas na próxima, o objetivo da regra se perde, já que a metade do parlamento se reelege. A coisa não se resolve por aí. Me parece que uma votação de aumento dos parlamentares pelo Supremo seria uma boa medida. Outro caminho seria termos um teto unificado. Não quer dizer que eu seja a favor do aumento concedido agora, mas me parece que seria, institucionalmente falando, uma medida positiva. Na minha opinião, poderíamos ter congelado o salário do Supremo, e ao longo de quatro ou cinco anos, ir trabalhando para igualar o salário dos parlamentares ao do STF. No caso atual do Supremo, a iniciativa é do presidente, mas o parlamento pode concordar ou não com o pedido. No caso da Câmara, a iniciativa e a votação ficam a cargo dos próprios parlamentares. Então, uma solução possível seria essa, de que o parlamento decidisse o salário do Supremo e vice-versa. Como estamos no topo do processo decisório, não existe uma solução que evite problemas nesse tipo de situação. O presidente, que é a única instância superior, não pode definir o salário dos parlamentares e do Supremo, pois seria algo inadequado dentro da perspectiva de independência dos poderes.
Sul21 – E quanto ao governo do RS? Agora, a bancada petista na Câmara Federal vai trabalhar para um governador do mesmo partido (Tarso Genro). Que tipo de mudanças isso traz? Já existe alguma definição sobre prioridades ou linhas de ação?
HF – Tem um papel que, por óbvio, se amplia para a bancada, que é a busca de recursos. Não só de recursos para obras, mas de políticas públicas em geral. Não que ele se altere, porque a bancada sempre trabalhou para isso, para abrir canais de negociação e diálogo com os diferentes ministérios. Espero que, com o governo Tarso, o papel da bancada gaúcha do PT em Brasília se amplie nesse sentido, que o governador busque a sua própria bancada para defender temas importantes, em diálogo com ministérios e governo. Se bem que, nesse sentido, o governador tem canais muito abertos para negociação, já que ele conhece o cotidiano de trabalho de praticamente todos os ministros. Mas esse é um dos papeis que vai crescer para a bancada federal gaúcha do PT, de fazer essa articulação entre o governo do estado e a presidência.
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